Na maior rota de ônibus do Brasil, o tempo não
se conta em horas, mas em dias - cinco e meio - e a distância não é
percebida em quilômetros, mas em estados do país, 12 ao total. A linha
entre Fortaleza (CE) e Cruzeiro do Sul (AC) sintetiza as belezas,
mazelas e desafios do ônibus, meio utilizado por 131,8 milhões de
pessoas no ano passado para deslocamentos de média e longa distância.
A viagem que corta 7,8 mil quilômetros pelo país (o dobro da mítica
Route 66 americana, ou a distância entre Lisboa e Bagdá) é compartilhada
por um público eclético, que vive experiências como ficar preso por uma
hora na Bahia por causa de uma micareta ou assistir ao saque de um
caminhão tombado em Mato Grosso pelo excesso de soja nas pistas. Um
grupo que "mata o tempo" revendo até três vezes seguidas o mesmo filme
no DVD do ônibus ou que cria laços de amizades - por vezes, coloridas -
entre as poltronas.
As motivações para encarar as estradas dias a fio são diversas: do
prosaico medo de voar ao desejo de conhecer o interior do Brasil. Da
necessidade de levar mais bagagens que o permitido sem custo extra no
avião à carência de ligação aéreas entre pontos ermos do país. Mas o
custo ainda é a grande razão para milhões de pessoas abdicarem da
agilidade dos voos.
Já voei uma vez, mas avião é muito difícil - afirmou o biscateiro
Marcos Silva, fazendo o gesto de dinheiro com os dedos ao embarcar em
Fortaleza. Silva lembra que os preços promocionais das aéreas são quase obra de
ficção para uma população que ainda tem dificuldades de acompanhar as
cotações das passagens em tempo real e pouco acesso a cartões de
crédito.
Na viagem de ônibus operada pela Transbrasil, há estudantes com iPad
para se distrair, caso de Luan Purcaru, que foi de Natal a Maceió
visitar a mãe. Ou pessoas como Larissa Ribeiro Pereira, de 22 anos, que
semanalmente encara 20 horas de estrada para ver o marido, Fabiano,
zagueiro do ASA de Arapiraca, cidade alagoana que tem um time conhecido
mas não recebe um voo regular sequer: O ônibus é minha única opção, passei na federal do Rio Grande do
Norte e não queria perder a vaga. O ruim é que às vezes chego em casa e o
Fabiano está concentrado - diz a estudante de educação física.
Ao longo da viagem de 130 horas por terra, o transporte aéreo é um
assunto sempre presente. Uma das frases mais ouvidas é "na volta eu vou
de avião". Os passageiros sabem das vantagens de voar, porém calculam
muito bem como usam seu suado dinheiro: Quando saí de Rondônia para ir pra casa, fui de avião, estava
morrendo de saudades. Agora, para voltar ao trabalho, vou de ônibus
porque não tenho pressa nenhuma - contou Kariovaldo Mesquita Lobato,
paraense de Abaetetuba que se orgulha de ser o único a ter esse nome
entre os 20 mil trabalhadores na construção da hidrelétrica de Jirau, no
Rio Madeira.
Ele suporta a distância da mulher e dos dois filhos para dar uma
condição melhor a eles. Após sofrer para erguer sua casa, quando ganhava
R$ 15 por dia, Kariovaldo agora usa os R$ 2 mil de renda mensal para
dar mais conforto à família. Logo, a sua casa será a única da rua a
contar com ar-condicionado. Ele justifica aplicar até R$ 1.200 para
voltar para a casa de avião, contra os R$ 430 do ônibus: Fui agora de surpresa e busquei minha filha de 5 anos na escola.
Assim que ela me viu, saiu correndo gritando para a professora : 'Viu
só, eu tenho pai, não disse que tinha pai?' - contou, antevendo a
saudade que vai crescer até voltar para casa de novo, em dezembro, e de
avião, como promete.
Nos ônibus, ainda ocorrem as migrações pelo Brasil. O trabalhador
rural Paulo Pereira da Silva embarcou em Natal, com destino a Uberaba.
Pela primeira vez viajaria na companhia de toda família, a mulher Ângela
e os filhos João Pedro, Ana Paula e Carlos Daniel. Ele voltava para a
região de sua esposa após tentativa frustrada de crescer na vida na
terra de seus parentes. Silva pediu R$ 1.470 emprestados para voltar de
ônibus, valor alto para ele, porém mais em conta que os R$ 4 mil
necessários para o avião.
Quando fui pro norte pensava que ia ter dinheiro para voltar de avião... Quem sabe na próxima?
A família de Paulo Pereira da Silva, curte a volta para Minas Gerais.
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Amanhã você acompanha a segunda parte da matéria, não perca !
Fonte: Henrique Gomes Batista - Enviado Especial
Bacana demais esta matéria...
ResponderExcluirMuito boa a matéria, gosto de ler coisas assim!
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